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Crise Hídrica Expõe Necessidade de Reúso da Água

Na reportagem que encerra a série sobre recursos renováveis, o JC Empresas & Negócios destaca a adoção de práticas mais razoáveis quanto ao consumo dos recursos hídricos, cada vez mais escassos

FREDY VIEIRA/JC
Entre as alternativas apontadas, está o processo de reutilização dentro da própria bacia
Entre as alternativas apontadas, está o processo de reutilização dentro da própria bacia
Com a escassez nos reservatórios das hidrelétricas para gerar a energia elétrica e a ameaça de faltar para o consumo humano em grandes centros, como foi o caso em São Paulo, o real valor da água passa a ser notado pelos consumidores. Com essa percepção e com o aumento progressivo da população, a tendência agora é apostar no reúso de água.
Durante a crise hídrica que afligiu os paulistas, as pessoas responderam adequadamente à necessidade da boa gestão dos recursos hídricos, com uma redução de cerca de 30% da demanda de água, segundo dados divulgados pelo professor Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) da Universidade de São Paulo (USP). "Houve uma conscientização e a gente espera que isso continue", salienta. Para ele, a única solução para Região Metropolitana de São Paulo é o reúso de água.

Ele cita que há tecnologia disponível para o reaproveitamento urbano indireto, agrícola e também potável.
O especialista sustenta que é preciso mudar o conceito de consumir a água uma única vez, e destaca que o reemprego dos recursos hídricos é uma tendência mundial. Entre os países que possuem estações para reúso potável estão os Estados Unidos, Bélgica, África do Sul, Austrália, entre outros.

Para o Brasil, Hespanhol acredita que a elaboração de um planejamento para dar um novo destino hídrico deveria começar pelo setor agrícola. "No mundo, a agricultura consome cerca de 80% e, no Brasil, 70%, mas a tendência é esse patamar se elevar por causa da melhora da produtividade", adverte. O professor detalha que o esgoto tratado adequadamente para o reaproveitamento agrícola contém húmus (matéria orgânica), o que aumenta a capacidade do solo de reter água e possui nutrientes.

O engenheiro responsável pelo desenvolvimento de novos projetos de reúso e pelo Aquapolo da Odebrecht Ambiental, Renato Pedroso, acredita que a população e o meio empresarial perceberam a importância do recurso, que tem que ser tratado com mais cuidado. A Odebrecht Ambiental e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) inauguraram, em novembro de 2012, o maior projeto para fins de reúso industrial do Hemisfério Sul. O Aquapolo Ambiental, com capacidade para produzir até 1 mil litros por segundo, abastece o Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá (SP). Esse volume é equivalente ao consumo de água potável de 500 mil pessoas.

Embora o Brasil seja conhecido como um país com muita água, a concentração em um único local é uma barreira a ser enfrentada. "Cerca de 80% dessa água está na bacia amazônica, e situação mais grave de escassez hídrica está na região Sudeste", detalha Pedroso. O engenheiro indica que a perspectiva é de que, com o adensamento da população, a água seja buscada em distâncias cada vez maiores. E, quanto mais longe, maior o custo do serviço e gasto de energia com o bombeamento do líquido.

O desperdício no Brasil ainda é muito alto e outro empecilho a ser vencido. "Temos uma média de prejuízos entre 35% a 40% da água que é produzida e que não chega à casa do consumidor", adverte o engenheiro. As perdas são reais (vazamentos) e aparentes (medição errada, fraudes). Como saída, Pedroso defende uma administração qualificada do sistema para diminuir o extravio. "Costumamos dizer que o sistema de saneamento não é uma obra que você faz e vai embora; é preciso operar de forma adequada, como um hospital ou uma escola", compara. Nesse contexto, é fundamental ter o cadastro das redes e clientes, avaliação de vazões e pressões, manutenções constantes etc.

Outra alternativa apontada pelo especialista é que a reutilização da água seja feito dentro da própria bacia hidrográfica, que ficaria responsável por cuidar de seus recursos e devolvê-los para a natureza. "O reúso tem esse conceito, você poluiu aqui, então você reutiliza essa água", frisa. O engenheiro considera que o Brasil possui legislação suficiente para o reúso potável. Há regulamentação quanto à qualidade de água potável, por meio da portaria 2.914 do Ministério da Saúde, e também há resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre o assunto. Pedroso acrescenta que o custo de produção de água de reúso vem caindo, ficando em torno de US$ 1 para produzir um metro cúbico de água. "Já se torna competitivo se for preciso trazer a água de muito longe."

País precisa aprender a usar racionalmente a energia elétrica

Se na questão da água foi possível notar uma preocupação geral quanto ao desperdício, no que diz respeito à energia elétrica os cuidados não se intensificaram na mesma proporção. E, levando em conta os elevados aumentos ocorridos na conta de todos os brasileiros devido a fatores como, por exemplo, o maior despacho das termelétricas, o aproveitamento mais lógico da eletricidade é algo aconselhável.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), Rodrigo Aguiar, alerta que o Brasil desperdiça quase 60 TWh (terawatt-hora) ao ano, o que corresponde a mais da metade da geração de energia de Itaipu. "Jogamos essa energia no ralo por desperdício no consumidor final e isso não leva em conta o desperdício na rede e sim o da residência que não troca a iluminação, a sua geladeira velha, o comércio com o ar-condicionado ineficiente ou a indústria que não toma as decisões corretas", salienta. Aguiar lamenta que pouco se evoluiu na mentalidade da necessidade de um uso mais racional da energia. "Tem quem diz: nossa, aumentou (a conta de luz), mas parou por aí, outros que pensam em o que fazer para diminuir os gastos e outros que nem perceberam a elevação", comenta. O dirigente destaca que também há um grande abismo para que sejam tomadas medidas práticas para reduzir o desperdício de energia.

Aguiar lembra que o consumo de eletricidade na área pública corresponde a 3% do total do País. O integrante da Abesco sugere que o gestor público que conseguir fazer um plano de economia de energia não tenha diminuição no orçamento do ano seguinte. Os recursos obtidos com o controle de gastos devem ser aplicados em outros projetos. Já quem não tomar iniciativas de eficientização deve ser penalizado. Na área privada, Aguiar defende que é possível conceder incentivos tributários para quem investir em iniciativas de cortes do consumo. Além disso, propõe a criação de linhas especiais de financiamento para soluções como a troca de motores mais antigos por equipamentos mais novos.

O presidente da Abesco ressalta que é fundamental criar realmente um plano de eficiência energética nacional, integrando as ações nesse campo que estão dispersas atualmente. Hoje existe o Plano Nacional de Eficiência Energética (Pnef), lançado em 2010, que apresenta metas até 2030. Porém, Aguiar critica que se trata de um projeto que está apenas no papel. "Nada está sendo feito na prática", aponta. O dirigente argumenta que é possível adotar o Pnef como base e fazer um planejamento em curto curto prazo, que tenha ações concretas.

Edifício busca economicidade e menor impacto ambiental

Com os valores que alguns serviços públicos atingiram, como é o caso do fornecimento de energia elétrica, o aproveitamento inteligente dos recursos naturais não é somente uma atitude ecologicamente correta, mas também uma ação economicamente eficiente. Esse é um dos conceitos defendidos na construção do prédio Idea São Vicente, em Porto Alegre.

O diretor da Incorporadora Capitânia Investimentos Imobiliários, o arquiteto Renato Turquenitch, afirma que a proposta básica para o Idea não era transformá-lo em um prédio verde. O objetivo final era baixar o custo de manutenção e adotar o uso mais racional das fontes energéticas. Uma das soluções empregadas foi a captação da água da chuva para regar o jardim do prédio. Outra medida foi o aquecimento da água pela energia do sol, com o apoio de um sistema baseado no gás, caso fique muito tempo sem a luz solar. Foram instalados também medidores individuais de consumo de água, tanto quente como fria. Turquenitch ressalta que esse tipo de fiscalização faz com que as pessoas moderem os seus gastos.

O prédio tem um cuidado especial com os chuveiros. Conforme o arquiteto, um aparelho convencional consome de 20 a 30 litros de água por minuto, e os do Idea são mais ecológicos, empregando em torno de 10 litros por minuto. "É uma espécie de areação, com menos água, mas que propicia um bom banho, com sensação de água abundante", explica. Além disso, os vasos sanitários têm dois botões para descargas maiores e menores. No caso da luz, toda a área condominial é abastecida por células fotovoltaicas que transformam a energia do sol em elétrica.

Turquenitch acrescenta que pode se atingir um excedente de 50% na capacidade de geração de energia em relação ao consumo máximo do condomínio. Ou seja, o Idea pode jogar energia na rede e diminuir a conta de luz com a distribuidora (CEEE-D). "Ao mandar energia na rede, o relógio gira ao contrário, podendo chegar até zero, a legislação brasileira permite que tu zeres a conta, eles não vão devolver dinheiro", esclarece o diretor da incorporadora.

Nos boxes dos automóveis, há pontos para abastecer veículos elétricos, com o custo do carregamento vinculado ao apartamento do proprietário do carro. A construção do Idea, devido a essas melhorias, ficou em torno de 3% mais cara do que um edifício convencional. O valor médio dos apartamentos gira em torno de R$ 500 mil. "Quando o prédio foi projetado, há dois anos, não se falava em crise hídrica e de energia, então é uma tendência cada vez maior as construções evitarem o desperdício", frisa Turquenitch.

Produção aliada ao menor desperdício hídrico

Uma prova de que é possível conciliar agricultura com um uso racional da água é dada pelo produtor Roberto Del Gos. Em sua propriedade, localizada no município de Viamão, a irrigação é feita através da prática do gotejamento. Del Gos ressalta que, se fosse empregado o modelo de aspersão implicaria, além de um volume maior de água, o uso de vários motores, o que significaria um gasto extra com a energia.
O produtor retira do açude de 1 mil a 1,5 mil litros por dia e, se não utilizasse o sistema de gotejamento e sim a aspersão, esse volume seria, pelo menos, três vezes maior. "A aspersão molha onde não se quer, como erva-daninha e mato; no gotejamento, o foco é somente a raiz da planta, e não a folha ou caule", enfatiza. A propriedade tem 12 hectares de área total e plantação distribuída em dois desses hectares, com cultivo orgânico de hortifrútis em geral.

Entre as culturas orgânicas trabalhadas estão as de rúcula, alface, cenoura, tomates gaúcho e cereja, espinafre, morango e berinjela. Sobre essa última, o agricultor comenta que a prática do gotejamento, em conjunto com o emprego de estufas, permitiu que a produção de berinjela durasse mais tempo, ingressando nos meses frios do Rio Grande do Sul. O produtor acrescenta que com o gotejamento é possível fazer a fertirrigação (aproveitar a água da irrigação para levar o fertilizante até a planta).

Del Gos, hoje com 54 anos, trabalhava como bancário e começou a lidar com a agricultura em 2013. Ele lembra que começou a ler sobre a agricultura orgânica e, como um autodidata, fez algumas experimentações. "Muita gente abre o jornal e vai direto para as páginas de esportes ou policial, eu ia para a rural", recorda o agricultor. Em 2011, procurou um coaching para obter orientação. Gastos e ganhos do empreendimento ainda estão praticamente empatando, mas a expectativa anima o produtor. "Meus rendimentos hoje são menores, mas tenho uma perspectiva muito maior para fazer mais coisas e aumentar o negócio, como ter lojas", projeta.

Toda a produção é de cultivo orgânico, certificado pelo selo IBD Orgânico. Uma dezena de clientes, como restaurantes e lojistas, adquirem os alimentos. Por serem produtos orgânicos, Del Gos diz que consegue vender com um valor três a quatro vezes superior aos produtos convencionais.

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