BUSCANDO...

CRISE HÍDRICA EM SÃO PAULO: a tragédia de um ciclo de espoliação da natureza e dos serviços públicos



Não falta água em São Paulo, não vai faltar água em São Paulo.
Geraldo Alckmin, em outubro de 2014



A negação da crise hídrica foi mais que um momento de cinismo eleitoral. O governador Geraldo Alckmin sustentou sua posição, mesmo diante de todas as evidencias, às portas de uma tragédia anunciada. Mas agora o colapso do abastecimento, sobretudo na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), é muito mais complexo. Crise hídrica, crise do sistema elétrico, crise urbana, expõem o esgarçamento social de um ciclo de desenvolvimento capitalista baseado no modelo privatista dos serviços públicos e nos incentivos consumistas de mercadorias.




Para a RMSP a gravidade do problema é enorme, pois se trata do abastecimento de água em uma metrópole com quase 21 milhões de habitantes, além de grandes, médias e pequenas cidades, que formam a macro-metrópole paulista e também são atingidas pela escassez, como no caso dramático de Itu.

A estiagem é parte do problema. Os fatores meteorológicos adversos, que parecem claros, exigiriam, no entanto, mais responsabilidade do poder público, ao invés de negar sua evidencia. Além disso, o consumo de água vem progressivamente aumentando nas atividades produtivas, nos serviços e nas residências, sem ser acompanhado pela ampliação da rede de abastecimento de água das cidades paulistas, em particular da RMSP.

Ao contrário, a SABESP (Serviço de Abastecimento do Estado de São Paulo) seguiu com os sistemas de captação e distribuição que datam de décadas anteriores. O Sistema Cantareira, que abastece (ou abastecia?) grande parte da RMSP, assim como Campinas, Piracicaba foi se exaurido, espoliado até o limite. A SABESP foi submetida à lógica privatista, que a levou no início de 2000 a sua securitização, ou seja, passou a se guiar pelos negócios nas bolsas de valores.

Desde que recebeu a outorga para utilização do Cantareira, a SABESP lucrou 12 bilhões[1] de reais. Desse total, quase 4 bilhões foram embolsado pelos acionistas. Entre 2012 e 2013, houve recorde de lucros da estatal 1,9 bilhão de reais, com repasses aos acionistas de cerca de 500 milhões. Do Sistema Cantareira saiu 73% do que foi para os acionistas.

Isso tudo em detrimento de investimentos necessários para a ampliação e manutenção dos sistemas de capitação e distribuição de água. O Sistema Cantareira foi sobrecarregado e reduzido ao mínimo de seu volume morto. Depois de secar a Cantareira, a SABESP também está secando seu valor de mercado. Perdeu 40% de seus ativos, desde setembro de 2014[2]. Trata-se de um colapso ambiental, social e econômico.

A crise do abastecimento de água, assim como dos transportes, está diretamente associada ao esgotamento de um ciclo de desenvolvimento capitalista. Creio, portanto, que a contestação e as soluções para ambas as crises devem ser acompanhadas com medidas anticapitalistas. São urgentes as ações de racionamento do uso e diminuição do desperdício, assim como de novas obras. Mas elas precisam ser postas em prática num esforço de construir nesta tragédia uma nova experiência socioambiental mais igualitária e sustentável.

O grande desafio será o engajamento da população na construção destas soluções, na participação democrática da gestão dos recursos hídricos (a exemplo dos comitês de bacia), na autogestão dos bairros, e das escalas mais próximas de vizinhança. Porém precisamos colocar a recuperação da SABESP como uma empresa pública de fornecimento da água como um bem comum, não como uma mercadoria. Itu já nos deu bons exemplos.

 Por Gilberto Cunha Franca
Professor do Departamento de Geografia, UFSCar

[1] Do Cantareira para a Bolsa de Nova York. Carta Capital, 23/10/2014.


[2] Sabesp e Copasa vão pelo ralo da Bovespa. EXAME.COM, 27/01/2015.

Postar um comentário

emo-but-icon

Página inicial item

CURTA NOSSA PÁGINA

REALIZAÇÃO

REALIZAÇÃO

Pesquisar no Observatório

Postagens Antigas