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Sabesp distribui até 60% dos lucros aos acionistas durante governo Alckmin


Em 1994, com a justificativa de que assim conseguiria mais dinheiro para investir em abastecimento de água e tratamento de esgoto, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) decidiu se tornar uma empresa de capital misto. Duas décadas depois, 50,3% de seu controle acionário se encontram nas mãos do Estado, enquanto 47,7% das ações são de propriedade de investidores brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%).

Embora o estatuto social da Sabesp determine que os acionistas podem receber 25% do lucro líquido anual da empresa (relação que o mercado chama de payout), a concessionária chegou a bater recordes em distribuição de dividendos durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB). Em 2003, por exemplo, ano seguinte à vitória do tucano nas urnas, 60,5% do lucro líquido da Sabesp foram parar no caixa de acionistas. Na verdade, desde a sua entrada na bolsa de valores, em 2002, a Sabesp nunca registrou payout inferior a 26,1%.

Estimativas feitas com base nos dados divulgados em março de 2014 pela Diretoria Econômico-Financeira e de Relações com os Investidores apontam que, entre 2003 e 2013, cerca de um terço do lucro líquido total da Sabesp foram repassados aos acionistas. O montante é da ordem de R$ 4,3 bilhões, o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico.


Negócio rentável

No meio financeiro, comprar ações da Sabesp virou um negócio rentável. Desde que se lançou no mercado de capital, a companhia colocou papéis à venda em duas ocasiões. A primeira em 2002, com prospecto inicial totalizando 3,364 bilhões de ações ordinárias na oferta brasileira, e 1,252 bilhão no exterior, na forma de ADSs (American Depositary Shares).

Naquele ano, cada lote de mil ações ordinárias saiu por R$ 110 aos investidores institucionais e, no caso de desconto da oferta de varejo, R$ 104,50. O preço das ADSs ficou em US$ 11,22 cada – equivalente, na época, a R$ 27,50. A venda dessas ações no mercado rendeu R$ 506,9 milhões. Segundo o prospecto da oferta inicial, os recursos foram encaminhados em sua totalidade aos cofres do governo do Estado.

Em 2004, a Sabesp retornou ao mercado com oferta de 5,273 bilhões de ações ordinárias, equivalente a 18,51% do capital social da empresa, por meio de uma distribuição pública secundária realizada simultaneamente no Brasil e no exterior. Dessa vez, 3,841 milhões de ADSs foram para o exterior. O lote de mil ações ordinárias saiu por R$ 113,47.

A arrecadação naquele ano atingiu R$ 598,2 milhões. O governo do Estado e a Companhia Paulista de Parcerias (CPP) – uma sociedade de capital fechado controlada majoritariamente pelo Estado que tem por objetivo “viabilizar a implementação do Programa de Parcerias Público-Privadas (PPP)” – ficaram com os recursos.

No total, pelo menos R$ 1,11 bilhão foi parar no caixa do governo estadual a partir da venda de ações da Sabesp em 2002 e 2004. A reportagem do GGN questionou a Secretaria de Fazenda do Estado quanto aos investimentos que foram feitos com esses recursos. A pasta remeteu as perguntas à Sabesp que, até o fechamento dessa matéria, não se manifestou.

O gráfico abaixo mostra o desempenho das ações da Sabesp no mercado desde a entrada na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo). Os picos registrados aconteceram em anos em que o lucro líquido da companhia de saneamento foi bilionário: R$ 1,055 bilhão em 2007, seguido de R$ 1,911 bilhão (2012) e R$ 1,923 bilhão (2013). O crescimento do lucro líquido puxa o aumento dos dividendos, o que torna as ações da Sabesp mais atrativas. Mesmo em 2008, quando a empresa teve lucro líquido de R$ 862,9 milhões, o payout foi de 34,3%.

A evolução das ações da Sabesp:



Dividendos x investimentos

Se comparado ao total de investimentos feitos pela Sabesp nos últimos 10 anos em saneamento básico (aproximadamente R$ 17,3 bilhões), os lucros e dividendos da companhia de capital misto não parecem tão exagerados, segundo avalia Alexandre Montes, analista de investimentos ligado à Sabesp. De acordo com ele, “em 2012, o negócio da Sabesp gerou um caixa de R$ 4,3 bilhões apenas com a venda de serviços de água e tratamento de esgoto. Desse montante, ela investiu na aquisição de intangíveis cerca de R$ 2,8 bilhões”, afirmou.

“Já em 2013, dos R$ 4,5 bilhões gerados, R$ 2,3 bilhões foram investidos. Do ponto de vista analítico-financeiro, a distribuição de rentabilidade para os acionistas está dentro dos padrões. Foram R$ 499 milhões em 2013 e R$ 579 milhões em 2012”, apontou o associado da Lopes Filho Consultores de Investimentos.

Atualmente, cerca de 28 milhões de pessoas no Estado são abrangidas pelos serviços de abastecimento de água da Sabesp. Aproximadamente 73% dos clientes são moradores da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), cinturão abastecido pelo Cantareira, sistema protagonista de uma crise iminente de fornecimento de água, já que opera, desde o início de maio, com menos de 11% de sua capacidade.

O governador e a Sabesp sustentam que o problema de abastecimento na RMSP acontece principalmente por falta de chuva. Na tentativa de evitar uma crise no segundo semestre, Alckmin anunciou algumas medidas emergenciais. Entre elas, a aplicação de multa em quem aumentar o consumo de água (ainda em análise pelos órgãos competentes), o uso das águas das bacias do Guarapiranga, Alto Tietê e, agora, Billings, para suprir a demanda paulista, além de uma obra de R$ 80 milhões para captar o volume morto do Cantareira.

A conta que não fecha

Ao longo de 10 anos da abertura de mercado e negociação de papéis na bolsa de valores americana, a Sabesp valorizou 601%. Na BM&FBovespa, a valorização foi de 427% no mesmo período, 2002 a 2012. Ou seja: em uma década no chamado "mercado futuro", o valor da companhia saltou de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões.

Os investimentos em saneamento básico, por sua vez, subiram de R$ 594 milhões em 2003 para R$ 2,7 bilhões em 2013. Nos últimos cinco anos, a companhia hoje presidida por Dilma Pena investiu R$ 11,9 bilhões em distribuição de água e tratamento de esgoto, e pretende investir mais R$ 12,8 bilhões entre 2014 e 2018.

Para especialistas em gestão de recursos hídricos e saneamento básico ouvidos pelo GGN, a questão que não quer calar é a seguinte: como uma empresa como a Sabesp, com tanta rentabilidade no mercado e com investimentos bilionários em saneamento básico, não reduziu, nos últimos anos, a dependência do Sistema Cantareira? 

O presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), Rene Vicente dos Santos, avaliou que a Sabesp tem investido maciçamente no crescimento do número de clientes, com o objetivo de ampliar o lucro com serviços de distribuição de água e tratamento de esgoto, deixando de lado novas tecnologias.

Ele apontou, por exemplo, que a Sabesp mantém tubulações que datam de 30 anos, e que ainda perde 25% da água que produz. Ou seja: a empresa ainda assiste à perda de 25% de receita, apesar dos investimentos feitos para melhorar essa situação. 

“A Sabesp tem investido nos últimos anos na ampliação da rede, mas a primeira coisa que faz com o lucro é garantir a rentabilidade dos acionistas. Ela aplica em melhorias, mas prefere direcionar os investimentos para onde consiga mais arrecadação ao final do processo – ampliação e rede, captação e tratamento de esgoto”, ponderou.

Poucas opções para driblar a falta d'água

Já na avaliação de Ricardo de Sousa Moretti, professor da pós-graduação em Planejamento de Gestão de Territórios da Universidade Federal do ABC, “o lucro da Sabesp indica que ela poderia ter feito um investimento muito maior em saneamento básico”, não só em volume de recursos, mas em aproveitamento de estudos e metas elaborados há pelo menos uma década, que apontam ser emergencial a busca por novas fontes de água para São Paulo.

Segundo Moretti, a Sabesp desenvolveu uma política voltada para lucros obtidos com a construção de grandes obras, como estações de tratamento – hoje, são mais de 214 espalhadas pelo Estado – “mas esqueceu que para funcionar, é preciso ter um sistema capilar eficiente, que leve água [da estação de tratamento] até em casa do cliente a partir do sistema arterial, que são as redes coletoras. Essa parte arterial não foi feita. Temos estações prontas, mas o esgoto não chega nelas. Ou seja, a Sabesp criou uma política insana, de grandes obras de engenharias, e não de gestão de águas”, criticou.

A “política insana” da Sabesp, ainda de acordo com Moretti, também implica na condução de águas sujas a mananciais que servem de reservatório para a Grande São Paulo. Caso da Bacia da Billings, que recebe água que lava a região do rio Pinheiros quando há enchentes. O professor destacou que embora a Sabesp retire mais águas do braço Rio Grande para suprir a demanda do Cantareira, a represa situada na região do Grande ABC já trabalha perto de sua capacidade máxima. “O certo seria ter construído mais estações de tratamento no local, mas isso não foi feito”, lembrou.

"Uso da Billings é improviso ao sabor da crise"

O coordenador do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, João Ricardo Guimarães, classificou o anúncio de Alckmin sobre o uso da Billings como “improviso de soluções”. “Se isso era possível [usar a Billings para diminuir a dependência do Cantareira], por que não foi planejado e preparado há alguns anos? Por que o reservatório da Billings não abastece um número maior de pessoas há mais tempo? Por que fazer isso agora, ao sabor da crise?”, indagou.

Para os especialistas, o governo Alckmin só tem duas alternativas para evitar uma crise no fornecimento de água após a Copa do Mundo. A primeira é rezar para que chova acima do patamar comum aos próximos meses, de modo que os reservatórios do Cantareira ganhem fôlego. A segunda é transferir águas da bacia do Rio Paraíba do Sul, de gestão federal, para contemplar a demanda paulista. Uma tarefa difícil, já que o governo do Rio sinalizou que a iniciativa pode comprometer o abastecimento de 10 milhões de pessoas só na Capital.


Fonte: Jornal GGN

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