A retórica retrógrada do secretário de recursos hídricos de SP
http://observatoriodabacia.sor.ufscar.br/2015/04/a-retorica-retrograda-do-secretario-de.html
Se há algo de que a atual crise hídrica no Brasil e especialmente em São Paulo não precisa é de declarações retrógradas, inconsequentes e até deseducativas de autoridades públicas. Em sua entrevista nesta segunda-feira (30.mar) à Folha, o secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga, poderia ter se limitado a alegar que a urgência de obras para captação de água teria justificado ao governo paulista atenuar exigências de licenciamento ambiental.
No entanto, em vez de fazer um relato objetivo sobre uma decisão entre, de um lado, normas ambientais, e, de outro, uma urgência que envolve aspectos sociais, econômicos e até de saúde pública, o secretário não resistiu a apelar para o clichê desgastado, deseducativo e ultrapassado de desqualificar um dos lados dessa balança. Essa retórica retrógrada reduz os preceitos de conservação de recursos naturais a meras formalidades a serem contempladas ou simplesmente contornadas, se houver situações de emergência.
Oposição
Segue o trecho da entrevista, com a pergunta da reportagem e a desastrada resposta do secretário.
Pela urgência das obras, a questão ambiental não está sendo atropelada?Nós temos uma situação em que, se fossem seguidos os ritos tradicionais do setor ambiental, nós não teríamos condições de prover essa água à população em julho. Então, a questão é uma escolha. O que vocês preferem: seguir o rito ambiental ou trazer água para a população?Essa argumentação estabelece uma oposição entre dois sentidos, o de uma necessidade e o de uma formalidade. Nos extremos dessa antítese estão, de um lado, a necessidade de abastecer a população e garantir a atividade econômica, com status de fator “real e concreto”, e, de outro, as exigências ambientais. Estas, paradoxalmente são reduzidas nesse discurso a normas abstraídas não só do “aqui e agora”, mas também da natureza das coisas, inclusive do próprio meio biofísico. Ou seja, o ambiente passa a ser uma abstração.
Tradição
Eu não perderia tempo com análise de discurso se o assunto se limitasse a uma declaração isolada e infeliz de uma autoridade pública. O problema é que existe toda uma lamentável tradição brasileira de desprezo por fatores ambientais e que felizmente parece estar cada vez mais em decadência na formação, na pesquisa e na prática da engenharia.
Na área de recursos hídricos, essa mentalidade predatória em projetos foi enfaticamente destacada nas últimas décadas por muitos especialistas, principalmente pelo geólogo Aldo da Cunha Rebouças (1937-2011), professor da USP. Ele freqüentemente chamava os projetospredatórios de obras predatórias de “soluções de engenharia”, caracterizando a falta de prioridade das grandes empreiteiras para as necessidades sociais, ambientais e do interesse público em geral.
Esse desprezo pela preservação ambiental sobrevive em muitos dos grandes projetos de obras, apesar dos avanços na pesquisa e no ensino da engenharia, que adquiriram uma grande articulação interdisciplinar com diversas outras áreas do conhecimento, nos termos das diretrizes do desenvolvimento sustentável, estabelecidas pelas Nações Unidas.
Chantagem
A persistência dessa mentalidade ultrapassada tem culminado em análises de impacto ambiental que impõem uma escolha entre extremos. Muitas vezes, já com o adiantado da hora da necessidade de fornecer água, energia ou transporte, a decisão política e administrativa é constrangida a uma opção entre uma proposta de obra predatória, mas com viabilidade econômica e social, e alternativas menos impactantes, mas que pouco atendem à necessidade de desenvolvimento.
E é em situações como essas que surge a retórica que estabelece a chantagem entre a necessidade da economia e da sociedade versus a exigência ambiental, caracterizada como supérflua.
Um dos mais deploráveis exemplos isso foi a alegação do então presidente Lula, em 2007, de que caíra em seu colo a decisão de escolher entre as obras das usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, e a preservação de algumas espécies de bagres. Agora vemos o apelo desnecessário a esse discurso por parte do secretário estadual paulista de Recursos Hídricos.
Mau exemplo
O Estado de São Paulo conseguiu grandes avanços não só no ensino, na pesquisa e na própria atividade profissional da engenharia no plano da conservação ambiental, mas também na estruturação e na capacitação técnica de seus órgãos governamentais para proceder à fiscalização e ao licenciamento ambiental.
São Paulo pode avançar como bom exemplo, ainda que no Estado possam ser apontadosexemplos casos de projetos de obras que ainda acabam encurralando o poder público nos extremos entre o desenvolvimento predatório a qualquer custo e a preservação ambiental.
Ao apelar desnecessariamente para essa retórica ultrapassada, chantagista, deseducativa e anacrônica, São Paulo não só escreve mas um capítulo nada edificante de sua atuação na atual crise dos recursos hídricos, mas mostra também que ainda tem muito a depurar.
No entanto, em vez de fazer um relato objetivo sobre uma decisão entre, de um lado, normas ambientais, e, de outro, uma urgência que envolve aspectos sociais, econômicos e até de saúde pública, o secretário não resistiu a apelar para o clichê desgastado, deseducativo e ultrapassado de desqualificar um dos lados dessa balança. Essa retórica retrógrada reduz os preceitos de conservação de recursos naturais a meras formalidades a serem contempladas ou simplesmente contornadas, se houver situações de emergência.
Oposição
Segue o trecho da entrevista, com a pergunta da reportagem e a desastrada resposta do secretário.
Pela urgência das obras, a questão ambiental não está sendo atropelada?Nós temos uma situação em que, se fossem seguidos os ritos tradicionais do setor ambiental, nós não teríamos condições de prover essa água à população em julho. Então, a questão é uma escolha. O que vocês preferem: seguir o rito ambiental ou trazer água para a população?Essa argumentação estabelece uma oposição entre dois sentidos, o de uma necessidade e o de uma formalidade. Nos extremos dessa antítese estão, de um lado, a necessidade de abastecer a população e garantir a atividade econômica, com status de fator “real e concreto”, e, de outro, as exigências ambientais. Estas, paradoxalmente são reduzidas nesse discurso a normas abstraídas não só do “aqui e agora”, mas também da natureza das coisas, inclusive do próprio meio biofísico. Ou seja, o ambiente passa a ser uma abstração.
Tradição
Eu não perderia tempo com análise de discurso se o assunto se limitasse a uma declaração isolada e infeliz de uma autoridade pública. O problema é que existe toda uma lamentável tradição brasileira de desprezo por fatores ambientais e que felizmente parece estar cada vez mais em decadência na formação, na pesquisa e na prática da engenharia.
Na área de recursos hídricos, essa mentalidade predatória em projetos foi enfaticamente destacada nas últimas décadas por muitos especialistas, principalmente pelo geólogo Aldo da Cunha Rebouças (1937-2011), professor da USP. Ele freqüentemente chamava os projetos
Esse desprezo pela preservação ambiental sobrevive em muitos dos grandes projetos de obras, apesar dos avanços na pesquisa e no ensino da engenharia, que adquiriram uma grande articulação interdisciplinar com diversas outras áreas do conhecimento, nos termos das diretrizes do desenvolvimento sustentável, estabelecidas pelas Nações Unidas.
Chantagem
A persistência dessa mentalidade ultrapassada tem culminado em análises de impacto ambiental que impõem uma escolha entre extremos. Muitas vezes, já com o adiantado da hora da necessidade de fornecer água, energia ou transporte, a decisão política e administrativa é constrangida a uma opção entre uma proposta de obra predatória, mas com viabilidade econômica e social, e alternativas menos impactantes, mas que pouco atendem à necessidade de desenvolvimento.
E é em situações como essas que surge a retórica que estabelece a chantagem entre a necessidade da economia e da sociedade versus a exigência ambiental, caracterizada como supérflua.
Um dos mais deploráveis exemplos isso foi a alegação do então presidente Lula, em 2007, de que caíra em seu colo a decisão de escolher entre as obras das usinas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, e a preservação de algumas espécies de bagres. Agora vemos o apelo desnecessário a esse discurso por parte do secretário estadual paulista de Recursos Hídricos.
Mau exemplo
O Estado de São Paulo conseguiu grandes avanços não só no ensino, na pesquisa e na própria atividade profissional da engenharia no plano da conservação ambiental, mas também na estruturação e na capacitação técnica de seus órgãos governamentais para proceder à fiscalização e ao licenciamento ambiental.
São Paulo pode avançar como bom exemplo, ainda que no Estado possam ser apontados
Ao apelar desnecessariamente para essa retórica ultrapassada, chantagista, deseducativa e anacrônica, São Paulo não só escreve mas um capítulo nada edificante de sua atuação na atual crise dos recursos hídricos, mas mostra também que ainda tem muito a depurar.
Fonte: Folha de São Paulo